2ZDinizz: o cronista boêmio de Niterói que encontrou sua voz entre o samba, o rap e o sagrado

Foto: Divulgação

A música sempre foi um lugar de formação e sobrevivência para 2ZDinizz. Criado em Niterói, entre o batuque das rodas de samba e os ensinamentos duros do rap, ele transformou vivência em verso e trajetória em legado. Hoje, aos 30 anos, colhe os frutos de uma caminhada que passou por becos e bares, culminando no disco Patrono, um dos grandes lançamentos do rap nacional em 2024.

Antes do reconhecimento, houve invisibilidade. Em seus primeiros anos como MC do grupo Card Principal, Dinizz viveu a euforia de um sucesso regional mal digerido, e isso moldou sua ética e sua postura. “Eu queria vingar a minha infância, onde era muito invisível. Me tornei egocêntrico. O grupo foi importante para pavimentar a minha personalidade atual, onde eu entendi que não quero mais subir num pedestal”, confessa.

Essa maturação artística também ecoa no som que constrói: um híbrido entre o boombap clássico e influências contemporâneas, que mistura batidas nostálgicas com rimas de afeto, fé e filosofia de rua. “Meu processo criativo se baseia muito em deixar o beat falar comigo. Em cada faixa ali do álbum, eu sabia o que eu queria dizer, porque o instrumental faze parte da mensagem.”

Entre a guia de Exu e o livro do Racionais

Lançado em 2024, Patrono é mais do que um álbum, é uma narrativa espiritual, emocional e urbana. O disco constrói um diálogo entre Dinizz e uma entidade que dá nome ao projeto: um orixá das ruas, símbolo de sabedoria popular e liderança comunitária. “Não sou esse cara ainda, mas é quem quero me tornar no futuro”, explica.

A capa do álbum escancara os dois pilares que sustentam sua caminhada: à esquerda, a guia de Exu, símbolo da fé e proteção nas ruas; à direita, um livro do Racionais, manual de sobrevivência e ética periférica. “Essas duas figuras são a minha cruz e a minha espada”, define o rapper.

“O disco do Racionais ele me mostra como eu tenho que atacar ou recuar, ou seja, como enfrentar o mundo. Já a guia é o que me protege, é o meu escudo que me ensinou a sobreviver e transitar nas ruas da maneira certa”, acrescenta.

Inspirado em uma figura real — Zé Geraldo, pai de um amigo e referência viva de respeito em sua comunidade —, o Patrono que habita Dinizz é tanto uma força mística quanto um arquétipo social.

“Talvez o conceito patrono seja uma coisa que esteja dentro de mim e que me inspire de dentro pra fora. Mas a figura patrona realmente existe na minha vida. Então, o patrono de fato ele existe, mas eu acho que o conceito ali do álbum, essa coisa mais mística que existe, vem de dentro pra for. O álbum é todo real. Eu precisei fazer uma coisa bem verdadeira para p público entender que aquilo de fato é minha vida e que não existe uma distância entre o que eu falo e o que eu faço, sabe?”

O encontro com o ídolo, Emicida

Um dos momentos mais marcantes da carreira de 2ZDinizz aconteceu nos bastidores de um show, quando recebeu a visita de Emicida, seu ídolo máximo no rap.

“Ele me mandou mensagem sobre o Patrono no momento em que eu estava bem mal, passando por algumas dificuldades. E a mensagem veio como um respiro”, conta. Depois vieram a ligação, o elogio, o show assistido da plateia e um rolê juntos. “Cantar na presença dele foi meio que um TCC, sabe?”

A validação do autor de AmarElo foi mais do que um aceno artístico: foi uma reconexão com os valores que Dinizz sempre carregou. “Depois ele foi lá pro camarim e a gente teve uma troca absurda. A gente deu um rolê junto, eu e ele, a ponto de eu conhecer mais a particularidade da vida dele. Isso trouxe pra mim um novo olhar sobre o que eu quero pra minha vida, sabe. O Emicida mais uma vez me mostrou isso, mais uma vez se tornou uma referência. Ele me fez lembrar que não é sobre luxo, é sobre essência.”

Beatriz: uma despedida que virou declaração

Agora, 2ZDinizz inaugura um novo capítulo com o single “Beatriz”, uma carta aberta de amor interrompido que mistura hip hop, R&B e confissão. A música nasceu do fim de um relacionamento, mas floresceu como reencontro. “Ela começa com esse discurso do ‘vou te superar’, de querer parecer forte. Mas, com o tempo, a música vai desarmando essa ideia e vira uma confissão.”

Com lirismo maduro e vulnerável, o artista se despe da armadura do malandro para mostrar o coração. “Todo malandro é romântico”, diz, rindo. “A arte é música e música é identificação. E falar de amor só funciona sendo real.” Ao nomear a canção com o nome da mulher amada, Dinizz atualiza a tradição de cantores como Bebeto e Jorge Ben, com a autenticidade que sempre o guiou.

Hoje, 2ZDinizz vive um momento de busca. O ciclo de Patrono se fechou sem a necessidade de um deluxe — sua narrativa foi suficiente. Agora, o rapper quer colher os frutos com calma e preparar um novo capítulo com sabedoria. “Eu vou conseguir fazer outro disco depois de entender como vou conseguir acrescentar novamente, sabiamente, na vida de alguém.”

Enquanto isso, segue escrevendo canções como “Beatriz”, onde cada palavra é uma cicatriz ou uma vontade. Com o pé no chão de Niterói, o coração no samba e a cabeça nos ensinamentos do rap, Dinizz constrói uma trajetória onde a arte não é performance, é biografia.

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Felipe Mascari

2ZDinizz: o cronista boêmio de Niterói que encontrou sua voz entre o samba, o rap e o sagrado


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