Carreiras que Duram: A Virada na Presença Digital

Billie Eilish em 2023
Foto de Billie Eilish via Shutterstock

Eu digo isso sempre — e agora, com dados na mão, posso dizer mais alto: a nova geração de artistas de nicho não está mais tentando ganhar audiência mostrando cada segundo da vida pessoal. O jogo mudou. O público, cansado da overdose de intimidade, quer conexão real, não reality show 24 horas. E, no lado de cá, os artistas também perceberam: o custo emocional do “compartilhar tudo” é alto demais.

Não é achismo: um levantamento publicado no The Guardian em julho de 2025 mostrou que 50% dos criadores de conteúdo já sofreram burnout e 37% pensaram seriamente em abandonar a carreira. E quando olhamos para a música, o retrato é ainda mais pesado: pesquisa conduzida pelos Dr. George Musgrave (Goldsmiths) e Dr. Dorian Lamis (Emory) revelou que músicos têm uma das taxas mais altas de suicídio entre todas as profissões no Reino Unido e nos EUA. Entre mulheres da música, o risco é 69% maior que o da média feminina da população geral; entre homens, 20% acima da média masculina.

O estudo aponta um conjunto de fatores que explicam esse cenário: ansiedade e depressão crônicas, insegurança econômica, eventos de vida altamente estressantes, pressão de performance constante, isolamento social e o impacto das redes sociais na autoestima e na saúde mental. Um outro levantamento de 2022 com 1.154 profissionais de turnê já mostrava que esse grupo apresenta níveis de ideação suicida cinco vezes maiores que a média populacional dos EUA. Ou seja: isso não é “romantização da alma atormentada do artista” — é uma crise de saúde pública na indústria da música.

E é nesse contexto que começa um movimento silencioso, mas poderoso: artistas — especialmente nos nichos — estão redesenhando a forma de estar nas redes sociais. Eles mostram menos da vida privada e mais do que realmente vieram entregar: música, processo criativo, bastidores da arte. Os artistas estão trocando o excesso de compartilhamento — oversharing —por interação qualificada.

A Pitchfork já mapeou essa virada: grupos no Discord, close friends temáticos, newsletters com histórias de composição, sessões de escuta com fãs, enquetes sobre capas e setlists. São espaços menores, mais controlados e mais íntimos, mas com muito mais profundidade de vínculo.

Um case global é o da Billie Eilish. Em abril de 2024, ela adicionou toda sua base de seguidores no Instagram (mais de 110 milhões de pessoas) à famosa lista de Close Friends, transformando o recurso — normalmente reservado a poucos — em uma ação massiva e simbólica. Este é um exemplo emblemático sobre a construção de vínculos profundos com fãs, sustentando uma exposição mais controlada e estratégica.

Esse comportamento conecta com algo que, à primeira vista, parece não ter nada a ver, mas é sintoma da mesma necessidade: o retorno do vinil. Em 2024, só nos EUA, o vinil arrecadou US$1,44 bilhão, crescendo 6,9% no ano e superando o CD pelo terceiro ano consecutivo em unidades vendidas. No mundo, a IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) já registrou 16 anos seguidos de crescimento do formato físico, mesmo em um mercado amplamente dominado pelo streaming. Isso não é só nostalgia — é um manifesto contra a velocidade descartável da era digital. É o público dizendo: “eu quero parar, ouvir com atenção, segurar a música nas mãos”.

E as marcas estão atentas. Há alguns anos, o marketing se apaixonou pelo criador de conteúdo lifestyle — o influenciador que abre a casa, a rotina, o emocional. Hoje, cada vez mais, elas investem em criadores que oferecem UGC (user-generated content) com autenticidade e propósito, sem overdose de intimidade. O interesse não está mais em saber o que você come no café da manhã, mas sim em como sua arte ressoa, em qual legado você constrói e como você mobiliza comunidade.

Meu ponto — e minha defesa — é simples: menos exposição = mais identidade; menos pressa = mais presença; menos ciclo = mais permanência. Uma presença digital que protege a saúde mental não é uma limitação criativa, é um recurso. A música, de verdade, respira nesse ritmo.

E aqui está o pulo do gato: o que sustenta esse modelo — e faz ele ser possível a longo prazo — é o movimento de fidelização de fãs. Quando o público se sente parte da construção, quando existe comunidade real, a necessidade de exposição constante desaparece. É essa base fiel que mantém a relevância viva, mesmo quando a vida pessoal fica fora do palco. E é essa base que constrói carreiras sólidas, capazes de atravessar tendências e modas passageiras sem perder a essência.

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Dani Pepper

Carreiras que Duram: A Virada na Presença Digital


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