Festival Leminski celebrou a vida e a obra de um dos maiores nomes da cultura brasileira

Lenine no Festival Leminski 2025
Crédito Vinicius Grosbelli

Na história da cena cultural paranaense, poesia e música quase sempre andam juntas, unidas por um elo invisível, mas muito presente nos trabalhos das bandas e artistas do estado. 

Afinal, do Psychobilly dos Ovos Presley ao Punk do Beijo AA Força, os textos, na Terra das Araucárias, têm uma importância tão grande quanto as notas que servem de base para eles. 

Nesse sábado (30 de Agosto), o público que lotou o palco da Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, presenciou um desses momentos mágicos nos quais essas duas vertentes da arte se unem. 

Toda a estrutura do evento foi montada em cima do palco da Pedreira, por onde já passaram artistas que moldaram a história da música internacional, entre eles, David Gilmour, AC/DC, Ramones e David Bowie

Nessa segunda edição do festival (a primeira foi no ano passado, quando Leminski, falecido em 1989, completaria 80 anos), as atrações foram Lenine, Jards Macalé, Estrela Leminski e Téo Ruiz, com o projeto Leminskanções, e Raissa Fayet

O Festival Leminski é mais uma iniciativa do núcleo familiar do poeta (as filhas Estrela e Áurea e a viúva, Alice Ruiz), na busca por manter vivo o legado de um artista que se expressou de diversas maneiras. “É um compromisso com a memória, com a poesia e com a cultura do nosso país. Tudo isso é para que novas gerações continuem encontrando no Leminski a inquietude, a ‘estranheza’, como disse o Lenine, a coragem e o humor que sempre foram as marcas dele”, explica Áurea Leminski.

Raissa Fayet mostrando o álbum Raízes no Festival Leminski 2025 – Crédito Vinicius Grosbelli

Raissa Fayet

Quem abriu os trabalhos, no frio fim de tarde curitibano, foi a cantora e compositora Raissa Fayet, ratificando logo de cara a força dessa união de letra e música. “Curitiba tem muito disso graças ao Paulo (Leminski) e a outros poetas e poetisas. Nós temos esse apreço pela palavra”, afirma Fayet

Acompanhada por Matê Magnabosco (percussão e programações) e Julia Klüber (teclados e guitarra – que também faz parte da banda que acompanha a cantora Catto), Raissa baseou o show no álbum Raízes, que será lançado em Outubro. 

Aliás, os singles “Floresta”, “Chamado” e “Derrubar o Cistema” já estão disponíveis nas principais plataformas de música, proporcionando aos fãs um belo spoiler do CD que está por vir. 

O novo trabalho tem 14 faixas inéditas, todas com direção musical da própria Raissa, produção de Du Gomide e Matê Magnabosco e consultoria musical de Guilherme Kastrup

Nas canções do projeto, a cantora mergulhou fundo na história da mãe, Adriane Fayet, buscando as sonoridades que fazem parte da caminhada da matriarca. 

No resultado final, a diversidade de estilos usados para construir a textura das canções de Raízes é muito grande e isso faz com que não seja fácil encaixar o trabalho autoral de Fayet em algum rótulo específico. 

Essa abordagem reflete as diversas influências da artista curitibana, pois nessa mescla de gêneros entram Pop, Rock e ritmos regionais que acabam se complementando nas composições. “Nós buscamos instrumentos que fizeram parte dessa jornada. Não dá para dizer que é só MPB ou algo assim”, explica a cantora. 

A estreia da turnê do álbum Raízes aconteceu em julho no festival Ópera da Serra da Capivara, no Piauí, em um show que une música, texto e vídeo numa só linguagem, fazendo com que o público capte de maneira mais clara o que cada uma das canções pretende passar. 

Liricamente, Raissa não tem nenhuma amarra que a impeça de abordar temas sensíveis à sociedade brasileira, como a preservação da fauna/flora e o veganismo. 

As cantoras Janine Mathias (que acaba de lançar o single “Um Minuto pra Romper o Amor”) e Rubia Divino participaram do show interpretando “Me Enfeita” e “Chamado”, respectivamente.

Estrela Leminski apresentando o projeto Leminskanções no Festival Leminski 2025 – Crédito Vinicius Grosbelli

Estrela Leminski e Téo Ruiz (Leminskanções)

Na sequência, uma das herdeiras do poeta, a cantora Estrela Leminski, pisou no palco para apresentar o projeto Leminskanções

Acompanhada pelo fiel escudeiro Téo Ruiz (guitarra e vocal), além de Ruan de Castro (guitarra), Gustavo Slomp (baixo), Fernanda Cordeiro (trombone), Nicolas Salazar (sopros) e Douglas Vicente (bateria), Estrela mergulhou na obra do pai de maneira emocionante. 

O repertório do show reuniu composições de Leminski que foram gravadas por grandes nomes da música brasileira, entre elas, “Dor Elegante” (Itamar Assumpção), “Verdura” (Caetano Veloso) e “Mudança de Estação” (Moraes Moreira). 

Leo Fressato (autor de “Oração”, sucesso nacional na gravação da Banda Mais Bonita da Cidade), além da cantora Janine Mathias, também participaram da apresentação cantando “Ah, Você Amigo” e “Quem Faz Amor Faz Barulho”, respectivamente.

O projeto Leminskanções, que já teve dois lançamentos (um álbum duplo, em 2014, e um songbook, em 2015), ganhará uma nova versão no primeiro semestre de 2026. 

As músicas que farão parte do CD já estão sendo gravadas e produzidas por Gustavo Ruiz, irmão da cantora Tulipa Ruiz

Nesse trabalho de pesquisa, Estrela vem resgatando composições do pai, justamente para mostrar ao público o lado musical do “Polaco” (apelido de Leminski). 

Na 3ª edição do projeto, por exemplo, estarão presentes nove letras musicadas inéditas, além de um poema do autor russo Vladimir Maiakovski adaptado pelo curitibano. “Eu quero trazer a ‘brasilidade’ do meu pai. A minha preocupação é com as composições musicais dele”, explica Estrela

Jards Macalé, um dos grandes nomes da música brasileira, no Festival Leminski 2025 – Crédito Vinicius Grosbelli

Jards Macalé

Em seguida, o tempo parou na Pedreira Paulo Leminski para reverenciar um daqueles artistas que não são produzidos em série. 

Afinal, dentro da cena musical brasileira nas últimas seis décadas, Jards Macalé se transformou em uma entidade que não necessita de apresentação. 

Desde os anos 1960, ele trabalhou e conviveu diretamente com os maiores artistas do Brasil e construiu uma trajetória marcada por duas premissas: a criatividade e a ousadia. 

Além de uma longa carreira solo, culminando com o mais recente álbum, Coração Bifurcado (2023), Macalé também participou como arranjador em trabalhos de diversos artistas. 

Nessa lista, a contribuição mais impactante talvez tenha sido no álbum Transa (1972), de Caetano Veloso, um disco absolutamente fundamental da MPB no qual o olhar cuidadoso de Jards fez toda a diferença, criando texturas que se tornaram uma referência para as produções brasileiras lançadas nos anos seguintes. 

Acompanhado por uma banda só de instrumentistas mulheres, composta por Navalha Carrera (guitarra), Lelena Anhaia (baixo), Aline Gonçalves (sopros), Victoria dos Santos (percussão) e Flávia Belchior (bateria), Macalé protagonizou grandes momentos durante o show.

Um dos mais impactantes foi em “Vapor Barato”, sucesso na versão da banda carioca O Rappa no álbum Rappa Mundi (1996) que, na gravação original, é muito diferente do hit dos anos 1990. 

Para surpresa do público mais jovem, que só conhecia a interpretação de Marcelo Falcão, Jards desconstruiu a música que, no imaginário popular, era “propriedade” do grupo O Rappa

Nem uma insistente tosse, cortesia do gélido inverno curitibano, foi suficiente para tirar o ânimo de Macalé durante a apresentação. 

Jards faz parte de uma geração de artistas, praticamente em extinção, que valoriza o texto como expressão fundamental. “É por meio da palavra que a gente se entende, por mais que, atualmente, ela esteja meio confusa, pois não se sabe se é verdadeira ou falsa. A palavra é uma pedra jogada a esmo, mas ela sempre significa alguma coisa”, reflete Macalé

Lenine reverenciando a poesia no Festival Leminski 2025 – Crédito Vinicius Grosbelli

Lenine

A honra de encerrar a noite coube ao cantor, músico e compositor Lenine. Visivelmente emocionado por estar pisando no que ele mesmo denominou como solo sagrado, o local que leva o nome de Paulo Leminski, Lenine fez um show que, certamente, ficará marcado na memória dele e do público que esteve presente na Pedreira. 

Trajando uma camiseta estampada com uma imagem do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e acompanhado por Gabriel Ventura (guitarra), Bruno Giorgi (guitarra, baixo, sintetizadores e backing vocals) e Pantico Rocha (bateria), Lenine montou um setlist que passou por todas as fases de sua trajetória artística. 

Nessa lista, entraram “Jack Soul Brasileiro”, do álbum Na Pressão (1999), e até uma bela versão em voz e violão para “Certas Coisas”, de Lulu Santos

No palco, a interação entre todos os integrantes da banda chamou muito a atenção, mostrando uma característica que sempre esteve presente no trabalho desse inventivo pernambucano. “Eu não faço nada sozinho. É sempre um aglutinado de muitas cabeças”, diz Lenine

Desde a estreia, com o álbum Baque Solto (1983), gravado com o parceiro Lula Queiroga, Lenine é mais um artista ligado profundamente à literatura e isso se reflete de maneira direta no trabalho que ele apresenta. 

Para fechar a noite e o festival com chave de ouro, Lenine levou o público às lágrimas com uma interpretação emocionante de “Paciência”. 

Em um mundo repleto de ódio, guerras e individualismo, a música e a poesia ainda são capazes de fazer com que, mesmo que por alguns momentos, a realidade seja mais leve para quem segue acreditando na arte como parte fundamental da existência humana. “Não é só sobre literatura, é sobre resistência cultural. Em um país que nem sempre valoriza seus artistas, lutar pelo espaço e pela visibilidade da poesia é também lutar por todos aqueles que acreditam que a palavra pode transformar”, diz Áurea Leminski.

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Marcos Anubis

Festival Leminski celebrou a vida e a obra de um dos maiores nomes da cultura brasileira


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