TMDQA! Entrevista: Boston Manor, América Latina e devaneios

Boston Manor, em registro por Megan Doherty
Foto por Megan Doherty

A banda britânica Boston Manor construiu uma das carreiras mais sólidas e versáteis do rock alternativo da última década. De uma sonoridade inicial de pop punk, o quinteto de Blackpool evoluiu para uma mistura de rock alternativo, post-hardcore e até música eletrônica, conquistando uma base de fãs global e a atenção de grandes festivais como o Reading & Leeds e o Slam Dunk.

Agora, após anos de turnês internacionais e álbuns aclamados como Welcome To The Neighbourhood e Datura, a banda finalmente faz sua aguardada estreia na América Latina, com um show único no Brasil no próximo domingo (14).

Para discutir essa jornada de autodescoberta e renascimento musical – além dos detalhes do show no City Lights – conversamos com o guitarrista Mike Cunniff. Para o TMDQA!, ele compartilha insights sobre o processo criativo da banda, a evolução de sua sonoridade e a expectativa de tocar pela primeira vez para o público brasileiro.

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TMDQA! Entrevista Boston Manor (Mike Cunniff)

TMDQA!: Ok, antes de tudo, é um prazer falar com você, Michael! A atmosfera pré-show no Brasil tem sido enorme e eu iria adorar me aprofundar no processo criativo da banda e na sua jornada até este ponto.

Mike Cunniff: Nossa, sem nenhum problema, vamos lá! Nossa jornada até este ponto foi lenta e constante. Somos uma banda há mais de 10 anos, os mesmos cinco integrantes desde que começamos – apenas cinco melhores amigos que queriam fazer música para nós mesmos. E levou muito tempo para descobrir o que queríamos fazer ao longo do caminho. Toda vez que escrevíamos e gravávamos um álbum, sempre aprendíamos algo novo – algo novo sobre nós mesmos e algo novo sobre a música que poderíamos fazer, a música que gostamos e o que queremos fazer.

Gravamos alguns EPs para começar e depois nosso primeiro álbum aqui no Reino Unido, Be Nothing, no sul. Depois gravamos dois álbuns na América com um produtor chamado Mike Sapone, que se tornou um grande amigo nosso. Trabalhar com ele nos ajudou a levar as coisas para o próximo nível com o que queríamos fazer.
E então, a pandemia chegou, e tivemos um tempo de folga. Isso nos deu um pouco de tempo para dar um passo para trás do de fazer turnês, porque não tínhamos escolha, e para redescobrir muita música antiga que crescemos ouvindo.

Eu estava literalmente indo para a cama todas as noites porque não tinha mais nada para fazer, e eu tinha um ritual onde fazia uma playlist com todas as minhas bandas e artistas favoritos e todas as minhas músicas favoritas. Eu apenas deitava na cama todas as noites e ouvia música por horas e assistia a videoclipes e apresentações ao vivo e coisas assim.
Isso meio que revigorou essa nova energia que eu tinha para escrever músicas. Sinto que, sem a pandemia, talvez não soássemos do jeito que soamos agora, porque fomos embora e começamos a trabalhar com um novo produtor – ele morava em Londres, o estúdio dele fica nos arredores. E gravamos um EP e dois álbuns com ele dos quais nos orgulhamos imensamente.

E durante todo esse tempo, estivemos apenas crescendo. Começamos como crianças e agora dois dos membros do Boston Manor, Henry e Jordan, têm filhos. Todos nós meio que saímos de casa e compramos nossos próprios lugares, Ash se mudou para Londres. Então estamos espalhados, mas é incrível olhar para trás e ver o quão longe chegamos.
De forma lenta e constante, temos feito muitas turnês e conhecido muitas pessoas, fazendo muitos novos amigos ao longo do caminho, e a popularidade da nossa banda aumentou bastante. Tem sido, como eu disse, muito trabalho duro, mas é muito bom – e é ainda melhor saber – que agora vamos poder ir ver vocês. Faz muito tempo que queríamos ir, e sentimos muito por não termos conseguido ir antes, mas este parece ser o momento certo!

TMDQA!: Isso é maravilhoso, cara. Vocês tocaram em palcos em todo o mundo, mas uma estreia em qualquer país tem uma energia única. Como banda, como vocês se preparam para um público desconhecido que nunca os viu ao vivo antes? Isso muda a dinâmica no palco?

Mike Cunniff: Sempre fomos, quando começamos, a banda “desajustada”, sabe? [risos] A banda que ninguém realmente sabia onde colocar – tivemos muitas turnês de apoio. Então, desde o início, nosso objetivo sempre foi tentar conquistar o público e garantir que eles estivessem se divertindo, até porque o show não é sobre a banda – o show é sobre o público, as pessoas que vieram te ver.
Então, tentamos garantir que as pessoas tenham uma experiência memorável e um ótimo momento, e isso nunca mudou. Não importa se estamos fazendo um headline show para o que achamos que é a maioria dos nossos fãs, ou se estamos tocando potencialmente para novas pessoas que não conhecem nosso trabalho. Sempre tocamos como sempre fizemos, sabe? Sempre colocamos toda a nossa energia e só queremos ter certeza de que todos estão se divertindo e que fazemos uma performance realmente ótima!

TMDQA!: Além da música, o que mais desperta a sua curiosidade sobre o Brasil? Existem expectativas em relação à cultura, à arte ou à troca de experiências que você espera levar dessa primeira visita?

Mike Cunniff: Nossa… Em primeiro lugar, eu amo como a música brasileira soa. Eu acho que soa tão bonito para o meu ouvido. Mas também, foi desde que descobrimos a palavra “saudade”.
Estávamos procurando um nome para o nosso EP de estreia na Pure Noise e eu me lembro de ter pesquisado no Google – eu estava tipo, “o que é esse sentimento?”. Levei muito tempo para pesquisar – bem, na verdade não demorou tanto [risos] – e essa palavra surgiu, eu senti que não podia fugir dela. Não há uma palavra para isso na língua inglesa, você só pode realmente descrever como se sente.
Eu achei que era uma palavra tão linda e descobrimos que existe toda uma cultura no Brasil, em português, que cerca essa palavra. Seja na poesia, na música, no cinema, nas histórias… É uma sensação tão linda e mística que eu ainda luto para explicar, sabe? Então sempre foi realmente fascinante para mim, como aí no Brasil existe essa consciência para esse sentimento que meio que veio de vocês, e ficou muito próximo a mim, importante para mim.

E eu ouvi dizer que a hospitalidade por aí, é sensacional – as pessoas são tão amáveis. Nós conhecemos algumas pessoas do Brasil em algumas turnês, e alguns fãs do Boston Manor Brasil vieram nos ver na Europa também. Honestamente, foi tão bom finalmente conhecê-los, eles são tão gentis… O Brasil é bem especial para mim e todos nós.

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TMDQA!: O ciclo entre o Datura e o Sundiver foi uma aposta conceitual muito ousada. Qual foi o maior risco criativo que você sentiu que estava correndo ao se comprometer com uma narrativa de dois álbuns? Houve algum momento em que você temeu que a “luz” de Sundiver pudesse não ser encontrada no processo?

Mike Cunniff: Você está 100% certo! [risos] 100%, com toda a certeza. Foi um empreendimento muito grande. Exploramos a ideia de porque muitos de nossos álbuns sempre tiveram um conceito por trás deles, e sempre foram apenas conceitos baseados de forma solta em torno dos álbuns – muito sobre nossa cidade natal, de onde viemos e o mundo que nos cerca. Mas quando surgiu a ideia de gravar essa dualidade, essa luz e a escuridão, entramos nisso apenas pensando que faríamos e descobriríamos no caminho. Então fizemos a parte escura primeiro, o Datura, porque isso era meio que fácil para nós e já estávamos meio que lá e prontos para isso. E o tempo todo, no fundo da minha mente, eu pensava, “como vamos escrever Sundiver?” , afinal, o Boston Manor não é uma banda feliz.

E a ideia me veio: a felicidade e a leveza são, para algumas pessoas, uma coisa muito unidimensional, onde elas pensam que se é feliz, precisa ter acordes maiores e ser edificante. Mas a história por trás de Datura e Sundiver é centrada em uma pessoa que, talvez em Datura, esteja tomando todas as decisões erradas na vida. Talvez esteja lutando contra o vício ou a doença mental, e então, no final do caos, eles querem mudança, querem amar e serem amados, querem ser mais gentis consigo mesmos, mais gentis com outras pessoas.
Querem largar a bebida ou as drogas, o que quer que esteja os atormentando. Essas coisas não são tão simples. Não há uma luz no fim do túnel – você ainda tem que fazer o trabalho mesmo quando está lá. Ainda há um caminho à sua frente e esse caminho pode ser difícil de percorrer quando você está lutando, sabe? É sempre cheio de altos e baixos e permitimos isso em Sundiver, mas ainda há aqueles pequenos momentos em que você escorrega e isso flui, onde pensamos: “as coisas ainda estão um pouco incertas agora, não tenho muita certeza de onde estou.” E isso foi ok.

Com a sonoridade e instrumentação, tive a ideia de usar guitarras principalmente com uma espécie de distorção ao invés de fuzz. Eu queria que soasse muito “brilhante”, então não queria que as guitarras fossem muito afinadas para baixo também. Eu queria que fosse leve e extremamente claro quando se tratava de instrumentos.
Tentamos não incluir e incluímos muito pouca eletrônica também, porque associamos os elementos eletrônicos em Datura a uma frieza e uma escuridão. Aquele álbum foi criado e produzido em Londres durante um tempo bastante sombrio, em um estúdio muito escuro, sem janelas. Felizmente, nosso produtor se mudou para o interior, para uma bela casa de fazenda onde era muito rural, com muita vegetação, muito bonito.
E nós gravamos lá no verão. Essa foi meio que a paleta sonora que escolhemos para esboçar e colorir o álbum.

TMDQA!: Eu amei a sua resposta, porque embora o Boston Manor não seja uma banda feliz, liricamente a banda parece ter feito a transição de uma raiva mais “externa e social” para uma jornada mais introspectiva de autodescoberta. Essa mudança foi uma decisão consciente ou um reflexo natural do crescimento de vocês como pessoas e artistas?

Mike Cunniff: Eu não escrevo as letras, mas apenas de falar com Henry é notório que ele cresceu muito e está sempre tentando se aprimorar com a escrita. Eu acho que às vezes alguns artistas podem apenas continuar repetindo o mesmo ciclo – alguns deles ficam realmente famosos e ricos e então acham difícil escrever letras com as quais as pessoas possam se identificar, porque a vida deles não é mais a mesma de antes. Mas nossas vidas são muito modestas, sabe? Todos nós temos um segundo emprego e todos levamos vidas muito normais.
Eu acho que ele mudou a perspectiva dele, como você disse – você é muito observador, a propósito. Ele mudou sua perspectiva, e você quase pode ouvir isso na intro de Sundiver ao ver ele dizer “let the New World in” (“Deixe o novo mundo entrar”), sabe? Meio que ser essa pessoa, a pessoa de quem Datura e Sundiver estão falando e tentando deixar de lado a luta interna e deixar a luz entrar, deixar este novo mundo entrar. Sinto que as letras de Henry mostram isso naquele álbum.

TMDQA!: Interessante ouvir isso enquanto vocês estão revisitando o passado para a turnê, e Henry, ao mesmo tempo, está começando a escrever material novo – ele até mencionou que está buscando a simplicidade de sentimento daquela era, passado. Eu queria saber como vocês separam a essência nostálgica de um som antigo de sua estética literal para criar algo inteiramente novo.

Mike Cunniff: Bem, eu não acho que você possa realmente voltar a isso. Em outra conversa que tive com Henry, ele estava me dizendo outro dia, “às vezes eu queria poder escrever letras como eu podia naquela época.” – mas foi uma mente mais jovem que as produziu. Há uma bela honestidade nisso, em não ter muita certeza do que você está fazendo na época e não ter tanta experiência. Você pensa: “bem, eu acho isso no momento, eu acho que é isso, sabe? Eu acho que estas são as letras que eu quero escrever agora.”
Acredito que agora há muito mais experiência e muito mais pensamento colocado no que tem sido feito, mas às vezes isso cria uma arte melhor quando você não está pensando e apenas fazendo, sabe?

Sempre buscaremos continuar impulsionando as coisas para frente e revisitar certos aspectos do passado, mas fazê-lo de uma nova maneira, é uma ideia muito legal. Somos uma banda tão diferente agora da banda que escreveu e gravou Be Nothing, não faz muito sentido para nós voltarmos e tentarmos recapturar aquele som. Mas há coisas naquele álbum que eu, pessoalmente, realmente gosto.
Eu realmente gosto de como ele soa coeso. Adoro como todas as músicas soam muito uniformes e têm os mesmos sons – eu amo a simplicidade no álbum também. Existe uma beleza e energia nisso que eu adoraria tentar capturar novamente, mas sem soar como se estivéssemos apenas tentando repetir um álbum antigo, sabe?

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TMDQA!: Cara, eu sei que temos apenas dois minutos, então agora farei umas perguntas mais rápidas. Primeiramente, se você pudesse dar um conselho para a versão mais jovem de vocês mesmos em 2013, gravando o primeiro EP em Blackpool, qual seria?

Mike Cunniff: Porra, uma pergunta realmente difícil. Eu acho que se fosse algo técnico, eu diria para não escrever canções longas com longas introduções. [risos] Mas eu amo o nosso antigo som. É muito divertido, é muito bom, e sempre fizemos música apenas para nós mesmos e para o que queríamos ouvir – então, quando você faz isso, você tem que se orgulhar disso e tem que dizer, “oh, nós fizemos isso na época.” Quaisquer erros que foram cometidos também são bons porque você constrói coisas novas a partir deles e se torna melhor. Acho que eu não teria algum conselho de fato…
Realmente gosto da honestidade, como eu disse. Eu gosto de não saber as coisas, quero tentar e explorar, sempre. Uma artista chamada Chelsea Wolfe de quem eu tenho consumido bastante o trabalho tem falado muito recentemente sobre a mentalidade de iniciante e como, quando você é iniciante, acaba tendo força a ser mais criativo porque você realmente não sabe o que está fazendo e você é menos crítico – você não está descartando suas próprias ideias antes mesmo de tê-las feito. Você está apenas fazendo. Estou tentando voltar a isso, sabe?

TMDQA!: Se a jornada de Datura e Sundiver fosse um filme, qual gênero seria e quem você escolheria para dirigi-lo?

Mike Cunniff: Nossa… Poderíamos ir para um lado lo-fi e bem cru, mas sim, provavelmente teria que ser Denis Villeneuve, o cara que dirigiu Duna e A Chegada e muitos desses tipos de filmes. Eu sinto que ele seria capaz de capturar os dois lados.

TMDQA!: Cara, sensacional! Bom, eu sou redator de um site chamado Tenho Mais Discos Que Amigos! e a gente tem essa tradição ao fim de uma entrevista: Mike, você também diria ter mais discos que amigos? E se você tivesse que escolher um álbum para descrever a si mesmo – ou um que é significativo para você – qual seria?

Mike Cunniff: Eu tenho 38 anos, eu definitivamente tenho mais discos do que amigos. [risos] Meu círculo de amigos é apenas, sabe, minhas quatro pessoas (amigos de banda).
Sobre o álbum, eu provavelmente diria White Pony do Deftones!

TMDQA!: Terminamos aqui. Quando conheci o Boston Manor, eu amei o som da banda instantaneamente e é muito significativo falar com você. Espero que vocês façam uma estreia incrível em São Paulo e muito obrigado pela oportunidade, é uma realização imensa!

Mike Cunniff: Isso é lindo de ouvir e eu quem agradeço pela atenção, pelas ótimas perguntas e carinho. Nos vemos em breve!

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Boston Manor no Brasil

Com toda essa proeminência musical, o Boston Manor finalmente desembarca em solo brasileiro para um show único que promete entregar tudo aquilo que os fãs sempre sonharam: uma apresentação enérgica e um setlist dedicado para fazer jus a um momento tão especial.

Os últimos ingressos estão sendo vendidos nesse momento no site da Fastix, em valores que vão de 180 a 360 reais. Mais informações, você confere abaixo, enquanto criamos expectativas até a chegada de domingo!

Data: 14 de setembro de 2025 (14/09)
Horário: 17h (abertura das portas)
Local: City Lights – Rua Padre Garcia Velho, 61, São Paulo

Valores (3º lote):

  • Meia-entrada e meia solidária: R$ 180,00
  • Inteira: R$ 360,00

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Eduardo Ferreira

TMDQA! Entrevista: Boston Manor, América Latina e devaneios


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