“A música regional é contemporânea também”: Bruna Black revela detalhes do seu disco de estreia solo, “Fulorá”

Bruna Black faz um convite para que todos consigam florescer enquanto escutam o seu disco de estreia solo, Fulorá.
A artista, que nos últimos anos se dedicou ao duo ÁVUÁ, ao lado de Jota.pê, apresenta novas faixas com relatos de suas vivências e o resultado de pesquisas musicais.
Apesar de explorar ritmos tradicionais nordestinos em boa parte do álbum, Bruna encerra o projeto com canções experimentais. Como ela apontou em entrevista ao TMDQA!, elas dão “uma seta para onde estou indo também, que é para outros lugares que enaltecem a música brasileira no geral, a música negra no geral”.
Fulorá chega acompanhada por um projeto estético potente criado pela cantora em parceria com o diretor criativo Lucas Jesus, e que foi baseado no conceito de “Avant-Garden”, um ecossistema artístico onde o ancestral e o futurista coexistem para criar uma experiência que vai além da música.
Sobre os visuais e a relação do contexto escolhido com as músicas do disco, Bruna explicou:
“[…] Quando falei que o disco se chamaria ‘Fulorá’, disse que teria que ser literal. Então o visual tem a fase da semente, a fase do broto e a fase do florescer. As músicas da fase da semente foram escritas quando eu ainda estava maturando coisas que eu estava vivendo. As do broto, quando já tinha criado raízes, uma filosofia, mas ainda precisava nutrir pra florescer. E as do florescer são músicas sobre assuntos nos quais sei que nunca vou mudar de ideia.”
Na conversa, Bruna Black também revelou algumas de suas principais referências durante o processo de criação do disco, que vão desde Josyara a Michael Jackson e Lauryn Hill. Ela ainda comentou sobre as colaborações com Chico César, Juliana Linhares, Baobá, Clarianas e Jéssica Gaspar.
Confira o papo na íntegra logo abaixo e ouça Fulorá!
TMDQA! Entrevista Bruna Black
TMDQA!: Bruna, você já tem essa relação com a música há muitos anos e começou a se dedicar profissionalmente a ela entre 2018 e 2019 e agora vai lançar seu primeiro disco solo. Eu quero saber como você está se sentido ao colocar esse trabalho no mundo?
Bruna Black: Eu estou me sentindo muito feliz. É um trabalho que já estou há dois anos tentando colocar no mundo. Ele já se modificou várias vezes. Já aconteceram várias coisas. Eu fui mãe, eu passei no edital, assinei com a Som Livre, assinei agora com a Universal, que passou a ser minha editora. E eu estou, assim… só tentando segurar essa carga toda, que para mim é uma pressão muito grande. Mas sinto que não estou deixando a desejar, sabe? Que estou colocando tudo o que eu boto fé ali. Tudo que eu admiro. Tudo que eu quero passar para frente.
TMDQA!: Nos últimos anos você se dedicou ao ÀVUÀ, esse projeto maravilhoso ao lado do Jota.pê, vocês lançaram o disco de estreia em 2022. Como que esse trabalho que vocês fizeram com o duo reflete e influencia no seu disco solo?
Bruna Black: O ÀVUÀ me ensinou muito no modo ao vivo, sabe? Ele me mostrou um outro lado meu, mais sereno, mais concentrado. Eu e o Jota costumamos dizer que somos opostos complementares. Então eu tive que me concentrar mais, e ele teve que se expandir mais um pouquinho para a gente se encaixar. Aprendi muitas coisas, tecnicamente falando, sobre viagem, sobre experiência de estrada. A gente fez bastante coisa em curto prazo. E o ÀVUÀ me ensinou a não temer o céu, a não temer a imensidão. Me mostrou o quanto eu posso alcançar. E o Fulorá está me trazendo de volta para a terra, firmando os meus pés no chão e falando: “Você sabe voar, mas vamos ver se você sabe caminhar. Correr”.
TMDQA!: E falando sobre a sonoridade de Fulorá, você explora tanto ritmos tradicionais nordestinos, como o maracatu, ciranda, coco, e também apresenta um som mais experimental, dando destaque para metais, violão e guitarras. Qual foi o maior desafio em reunir todos esses elementos em um único disco?
Bruna Black: Inicialmente, era sobre uma reverência à música nordestina, à uma pesquisa do que eu gosto. Depois, eu falei: “Olha, acho que não quero passar para as pessoas que vou ser uma cantora de forró, ou de uma coisa só, sabe?”. Eu quero muito que saibam que essa foi uma fase, que está sendo uma fase de pesquisa. Mas no finalzinho já dá uma seta para onde estou indo também, que é para outros lugares que enaltecem a música brasileira no geral, a música negra no geral. Tendo samba-rock, tendo uma outra música experimental de sonoridade, tendo também uma música em que tive total inspiração no Michael Jackson.
Porque eu falo muito sobre a referência brasileira, mas também não posso deixar de falar que Michael Jackson, Lauryn Hill, Erykah Badu são minhas referências também. Grande parte do meu coração, uns 99%, tem referência do Brasil. Mas aquele 1% tem referências internacionais também e gosta de experimentar o que o mundo tem entregado de informação e nesse disco eu quis colocar isso. Foi um desafio porque eu não queria que ficasse algo caricato, invasivo ou nichado. Mesmo assim, escolhemos um formato que mistura a parte orgânica de pessoas tocando com a parte mais eletrônica para falar sobre isso. A música regional é contemporânea também. A música pop tem um pouco de raiz também. E aí a gente foi pensando, música por música, quais sensações queríamos trazer e tudo mais.
TMDQA!: Eu fiquei curiosa pra saber. Qual música teve influência do Michael Jackson?
Bruna Black: “Xuliana”
TMDQA!: E pra somar nesse disco você ainda colaborou com artistas como Chico César, Juliana Linhares, Baobá, Clarianas e Jéssica Gaspar. Me conta como foram escolhidas essas parcerias e como é que cada uma delas surgiu com esse álbum?
Bruna Black: Primeiro, a Juliana Linhares é uma pessoa que me mostra muito sobre expansão. Vindo do duo ÀVUÁ, onde eu tive que me concentrar, ela me serviu muito de referência sobre o caminho que quero trilhar agora. Eu sou essa pessoa expansiva, e no meu trabalho solo eu tenho mais essa liberdade. A Juliana é uma referência para mim de imagem, de estado de palco. Inclusive, a música “Xuliana” é sobre Juliana Linhares, sobre como é estar no palco com ela. Quando falo “Eu e você ali, dividindo música”, foi inspirado naquele dia transformador em que participei de um show com ela. Ela representa isso para mim: representa a mulher LGBT, representa o amor homoafetivo. Falei: “Essa mulher é maravilhosa demais”. Eu queria trazer também a Josyara, só que eu tenho muita vergonha de falar com ela, não sei por quê. Com a Juliana eu consegui falar melhor, e ela aceitou.
Com o Chico César, eu o conheço desde 2019. Ele sempre foi muito humilde. Mas as pessoas sempre atrelam humilde no sentido de pobreza, e não é isso. O Chico sempre foi muito poeta, muito riquíssimo e muito humano. Acho que a palavra não é humilde, é humano. Porque nem todo artista com o alcance e o nome que ele tem abraça como ele me abraçou. Conheci ele em 2019, no Coral Jovem, e tomei muita coragem para chamá-lo agora que estou na Som Livre, com mais recursos. Achei que era o momento de fazer um convite mais estruturado, e ele aceitou. Eu fiquei: “Gente, ele aceitou! E agora? Nunca cheguei nessa parte”. A música fala sobre o amor entre pessoas negras. Fala sobre uma relação sexual, mas de forma romântica, sabe? Não naquela coisa de pegada, que colocam o homem negro. Eu queria trazer esse lado de forma entregue. Foi muito massa chamá-lo. Além de poeta e maravilhoso, ele tem uma voz ímpar e somou muito.
Clarianas e Jéssica Gaspar são duas mães. A Naluana, que escreveu a música, é das Clarianas. E a Jéssica e a Naluana são mães de duas meninas, assim como eu. Elas incluem a arte na educação das filhas, e admiro muito isso. Acredito que a arte deveria estar na educação de todo mundo, porque sensibiliza. Chamei elas para compor e se declararem para as filhas. Assim nasceu a música, “Zoin de Jabuticaba”.
Baobá me trouxe essa música “Quebra Prato”. E aí eu compus uma estrofe, mudei algumas melodias ali. Eu sou nova no axé e aprendo muito com ele. A gente troca muito, ele é uma pessoa maravilhosa que frequenta minha casa. Falei: “Você precisa estar nesse disco”. É um dos artistas independentes que merece um lugar ao sol, porque o trabalho dele é impecável, visualmente, sonoramente. Tem um afropop que eu amo muito. E essa representatividade da pessoa não binária. Então, é isso, esse disco vem carregado de linguagens, sonoridades e texturas.
TMDQA!: E uma coisa que eu acho que torna esse disco ainda mais especial são as letras dessas músicas, com você trazendo relatos das suas vivências. Como é para você abordar essas questões e expor esses temas nas suas músicas? E o que te motivou a compartilhar esses assuntos?
Bruna Black: Me colocar como compositora é muito importante. Mesmo que muitas tenham aberto espaço para a gente, eu acho que nós, mulheres, ainda não somos respeitadas como deveríamos. Então eu falei: “Gente, eu quero que todas as músicas sejam minhas. Vai ter feat? Vai ter feat, mas todas vão ser minhas”. E aí eu me coloco nesse lugar também de me despir um pouco, de contar sobre a humanidade que existe em mim. Compartilhar com as pessoas que me conhecem, para que elas possam se identificar e se sentirem acolhidas e acolherem a si mesmas.
TMDQA!: Fulorá chega com um projeto estético super potente né, que deu pra começar a sentir com as divulgações que você tem feito nas suas redes sociais. Como você e Lucas Jesus, diretor criativo, construíram esse conceito de “Avant-Garden”, que apresenta esse universo visual que reúne o ancestral e o futurista?
Bruna Black: Eu falei que queria, primeiro, uma pessoa nordestina trabalhando nesse projeto, porque eu não queria ser invasiva nem copiar uma estética que eu não vivo. Queria alguém que tivesse propriedade, que tivesse morado lá, vivido lá, para trazer essa linguagem. E deu muito match, porque o Lucas me escutou muito, teve sensibilidade, e a gente focou na mistura daquela vanguarda que tem uma potência enraizada. Que olha para o futuro, mas também olha para o passado. Eu queria trazer isso. Quando falei que o disco se chamaria Fulorá, disse que teria que ser literal.
Então o visual tem a fase da semente, a fase do broto e a fase do florescer. As músicas da fase da semente foram escritas quando eu ainda estava maturando coisas que eu estava vivendo. As do broto, quando já tinha criado raízes, uma filosofia, mas ainda precisava nutrir pra florescer. E as do florescer são músicas sobre assuntos nos quais sei que nunca vou mudar de ideia. Esses assuntos são coisas que eu sempre vou estar a favor. Por exemplo, Rio fala da admiração que tive ao assistir Maria Bethânia com participação de Xande de Pilares. Quando eu canto “esse jogar dos cabelos pra trás, essa nagô tá bonita demais”. São características que eu estava vendo ali visualmente, não só neles, mas como no Rio de Janeiro, porque o Rio de Janeiro é muito bonito. Chega dessa rixa entre Rio e São Paulo, aí que coisa chata. Então essa música fala sobre essa admiração. “Xuliana” é também sobre a admiração de uma artista por outra. O palco como algo íntimo. Como se eu dissesse: “Olha, isso aqui foi muito importante, não foi algo qualquer”.
TMDQA!: Eu queria saber um pouco mais sobre o manifesto que você faz na faixa-título que encerra o álbum. Ele é praticamente um grande resumo do que apresenta nesse projeto, né? Em que momento você criou ele?
Bruna Black: Foi muito engraçado, porque quando falei aquilo no manifesto, pensei: “Eu preciso criar uma faixa chamada Fulorá.” Eu estava num jogo de búzios, sobre o meu processo espiritual, e a mãe Iara que estava comigo disse: “Você precisa fazer uma faixa chamada Fulorá.” Era o que estava faltando para concluir. Para me fazer entender pras pessoas. Aquilo não é uma explicação, é eu botando a cara no mundo, assumindo quem eu sou por inteiro. Assumindo e acolhendo todas as minhas fases. E no final, quando canto “Sei que sou uma flor”, falo sobre a responsabilidade de olhar para o futuro, acolher também os mais velhos, o que eles passaram e deram de melhor de si.
Falo sobre o presente, sobre eu ser uma flor, mas minha filha também é, então eu preciso regar, e vovó é a raiz. Então, existe esse ciclo. Canto: “Serei raiz também, Zuzu também será e há de fulorá. Serei raiz também, você também será e há de fulorá.” Eu jogo essa responsabilidade para o público também: você também é raiz, você também é uma flor e há fulorá.
TMDQA!: E logo para o seu disco de estreia, você decidiu não lançar nenhuma prévia. Quero saber o que motivou sua decisão de lançar o disco na íntegra?
Bruna Black: Passou por muitos processos. A gente pensou em lançar single, mas a equipe de marketing da Som Livre foi me orientando: “Olha, em vez de fragmentar, vamos chegar com o pé na porta. Vamos florescer de uma vez”. E eu achei que fazia sentido.
Também não consegui escolher uma música que eu quisesse que sobressaísse. Apesar de ter escolhido “Saudade” como uma música muito forte, que mexe comigo, que eu chamei a Ju pra participar do clipe, todas as músicas têm algo importante que eu quero dizer.
Além disso, foi estratégico o lugar de mostrar para as pessoas que eu não quero ser de nicho tal. Tive medo de que, se lançássemos “Saudade” como single, as pessoas pensassem que eu estava indo só para o forró ou para o xote. Então falei: “Vamos entregar o disco inteiro, para as pessoas entenderem que eu sou uma pesquisadora da música brasileira.” Minhas referências são o brasilzão todo. Tenho também referências americanas. Eu sou múltipla.
TMDQA!: Para a gente finalizar, eu queria saber quais discos foram seus melhores amigos durante o processo de criação de Fulorá?
Bruna Black: Meu Deus… calma aí, deixa eu lembrar o nome. É um disco de samba de coco raiz, de Arcoverde. Eu escutei todos, mas tem um específico chamado “Coco Raiz de Arcoverde”. Teve também o disco do Lenine, “Olho de Peixe”. Muitas músicas do Chico César, não um disco específico, mas peguei várias da poesia dele. Teve Liniker, óbvio. Não como referência musical, mas como inspiração. Teve Michael Jackson. Teve Aurinha do Coco, teve Encantarias do Maranhão, A Oração do Fogo, Encantarias do Maranhão, peguei movimentos mesmo. Teve Josyara, claro! Escutei repetidamente o álbum “Mansa Fúria”.
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Lara Teixeira