Cinema pós-TikTok: como o formato vertical das redes sociais já influencia a sétima arte

As mudanças no cinema estão acontecendo em um ritmo cada vez mais acelerado, alcançando um público mais diverso e lutando quase diariamente para atender a novas demandas. Dessa vez, o “culpado” das transformações mais radicais é o TikTok, uma ferramenta que vem revolucionando o modo como consumimos e produzimos audiovisual.
A plataforma de vídeos curtos massificou o formato vertical e impôs um novo ritmo à atenção do público, começando a deixar rastros claros em diversas linguagens de comunicação e entretenimento, especialmente no cinema contemporâneo.
O cinema pós-TikTok, na verdade, é uma síntese de como as redes sociais influenciam a forma como o público consome produtos culturais. Se antes o desafio era fazer o espectador começar a assistir algo e manter o interesse durante duas horas ou mais, hoje é fisgar alguém nos primeiros 3 segundos. Essa lógica de impacto imediato resultou em cortes acelerados, legendas gritando na tela, filmes divididos em capítulos e trilhas sonoras frenéticas, contaminando o feed, o streaming e as salas de cinema.
Filmes como Saltburn, Bo Is Afraid e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo abusam da estética de excesso. Zooms abruptos, transições caóticas, flashes de imagens, trilhas que trocam de tom a cada cena para gerar cortes perfeitos para reels ou shorts… É uma experiência intensa, quase como estar dentro de um feed de constantes estímulos visuais.
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Estética feed-friendly
O formato vertical já existia em celulares desde os tempos do Snapchat e dos Stories, mas foi o boom do TikTok que provocou uma resposta mais evidente no cinema. Enquanto a tela grande continua horizontal, muitos diretores e fotógrafos vêm apostando em enquadramentos centralizados, simétricos e recortes que caberiam perfeitamente em um celular em pé.
Antes, essa característica era associada a cineastas muito específicos, como Wes Anderson (centralização e simetria, no caso), mas hoje aparece em produções diversas, com uma clara preocupação de como a imagem será reproduzida nas telas menores.
O cinema pós-TikTok
Realizadores como Sean Baker (Red Rocket, Tangerine, Anora) e Jane Schoenbrun (I Saw the TV Glow) mergulharam nessa tendência de forma consciente, trazendo para o cinema a linguagem visual da geração digital. Nesses casos, pelo menos, o conteúdo não se perde por trás da estética.
Os filmes recentes escolheram esse visual “encaixável” no celular já no corte final, e não apenas no material de divulgação. A tal estética feed-friendly pode não ser o objetivo central, mas os exemplos são cada vez mais frequentes:
Saltburn (2023) foi filmado em 1.33:1 (o clássico 4:3), um aspecto quase quadrado que transmite a sensação de voyeurismo, segundo a própria diretora Emerald Fennell. O diretor de fotografia Linus Sandgren utilizou composições centralizadas e simétricas, como nesta sequência:
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I Saw the TV Glow (2024), de Jane Schoenbrun, aposta em planos fechados e centralizados, típicos do terror, mas que também lembram o vertical do TikTok. A intenção é reduzir o campo de visão e intensificar a conexão com os personagens.
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Sean Baker é um dos precursores desse “movimento”. Seu Tangerine (2015) foi filmado inteiramente em iPhones, e Red Rocket (2021) mantém o estilo direto, centrado e adaptável às telas menores.
Essas escolhas mostram que o cinema contemporâneo já dialoga com o consumo mobile, mesmo sem filmar em formato vertical.
Menos paciência, mais intensidade
O impacto da influência do TikTok no cinema vai além do visual: ele afeta a estrutura narrativa. O cinema voltado ao público mais jovem não quer mais construir tensão aos poucos, preferindo entregar tudo de uma vez, rápido e em excesso. Isso muda a forma como nos conectamos com personagens, histórias e até com a emoção das cenas.
O perigo é apostar tanto no aspecto visual e comercial que o conteúdo fica em segundo plano. Filmes que dependem da edição para sustentar um roteiro frágil são fáceis de detectar.
O cinema vai acabar?
Ainda é cedo para dizer se o impacto do consumo audiovisual em dispositivos móveis será permanente ou apenas uma fase da estética digital. O que sabemos é que a sétima arte sempre reagiu ao seu tempo, e o nosso tempo é acelerado, fragmentado e hiperconectado. Portanto, não, o cinema não vai acabar.
Se isso vai gerar novos clássicos ou apenas filmes que viralizam por uma semana e somem no algoritmo, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: não tem como analisar o cinema atual sem falar da influência das redes sociais.
O cinema mudou, de novo, e a crítica precisa acompanhar cada nova tendência e suas repercussões.
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Filipe Rodrigues
Cinema pós-TikTok: como o formato vertical das redes sociais já influencia a sétima arte